E agora com vocês, mais um capítulo de A GEMA DE OTHILA, Um Conto Furry!
Cena 2 - Par de Ases.
Com
exceção de Exanum, MacTíre parecia
provocar desconforto nos outros jogadores do “Ninho”. Yami não disfarçava a
curiosidade, o homem com a camiseta de dragão cinza tinha o semblante
visivelmente endurecido. Pyro estava confuso, ao mesmo tempo que detestava ver
assuntos de sua gente em mão humana, estranhamente simpatizara com o recém
chegado. O sujeito no terno cinza estava rijo como um passarinho frente á
cobra, pois Liath lhe fixou os olhos por um segundo. Ao fazer isso, o bruxo
brevemente se perguntou o “porquê de tantos olhos? Seis?! O que este cara
precisa olhar tanto?” Pois o que via na cabeça da imagem de um pequeno dragão
que se sobrepunha ao o corpo deste convidado, eram seis olhos e longas orelhas
muito empinadas para o gosto de Liath. Por via das dúvidas, mentalmente marcou
o rosto do convidado de terno cinza. Mas se aquela boca estivesse aberta e o
lobo visse o tamanho da língua ali guardada, teria sacado uma arma na hora.
O
primeiro a romper o silêncio foi o da camiseta de dragão, já saiu no ataque:
- Não é
pessoal, mas o que você, um humano está fazendo aqui?! Não tem nada haver
conosco e vem de um meio que nos detesta! Não tem nada aqui pra você e você não
tem nada para nós!
- Et
vive la diference!- zoubou Liath num Francês bem pronunciado....luva de pelica
para o tapa moral que silenciou o agressor.
- Meu
amigo se expressou mal mas não deixa de ter razão Senhor MacTíre- ponderou
Pyro- Com o que o senhor trabalha?
- Sou
Afinador de Piano...
Fora
Exanum, todos gargalharam.
- Só
pode ser desenho animado!- Yami iniciava uma piada- você vai fazer o quê?!
Derrubar um piano na cabeça da besta?!- gargalhou de novo.
- Não,
planejo coisa mais leve; o instrumento inteiro não. Apenas uma corda; a corda
de Dó Natural para ser exato. Um seguimento de 50 cm enrolado em dois tarugos
de pau- ferro seguros com luva de couro...na garganta.
Meteu a
mão no bolso direito do blazer e jogou algo sobre a mesa. Era um garrote de
enforcamento. O aço da corda de piano estava fosco, fosco de sangue, aquilo já
foi usado no pescoço de alguém.
Alguns
engoliram seco, outros passaram as mãos sobre as gargantas.
- Acho
melhor se acalmarem e ouvirem o homem- falou Exanum.
- Então
você é militar? – voltou Yami
- Humm,
sim- Liath só esqueceu de dizer que não era militar nesta vida, mas em todas as
suas encarnações anteriores. Agora, realmente afinava pianos.
- Faz
isso já há quanto tempo?- Perguntou Pyro.
- Fiz
alguns bicos para o governo, mas na iniciativa privada, estou há cinco anos. Extração
e neutralização são minha especialidade. Dou sumiço em pessoas em risco e as
troco de lugar dando outra identidade e rosto. Os agressores eu neutralizo.
-
Neutraliza? Como assim- Perguntou o da camiseta.
Liath
franziu as sobrancelhas e com os olhos apontou o garrote sobre a mesa e todos
entenderam.
- Bom,
já entendemos sua forma de trabalho- disse Pyro- mas como e por onde o senhor
pretende começar sua investigação?
-
Sinceramente...não sei- por via das dúvidas, Liath lançava uma contra
informação para ocultar que já entendera o caso- estou tão perdido quanto os
senhores. Mas o senhor Exanum aqui pode me prestar um grande favor.
- O
Velho disse que eu deveria lhe dar assistência no que precisasse, peça e se
estiver ao meu alcance eu faço.
-
Preciso de alguma coisa do Velho, um objeto ou um pedaço dele.
-
Hein?! Um pedaço do Velho? Está louco?! Pra quê isso?!- Yami falava surpreso
pelo que pensava ser uma blafêmia.
-
Psicometria- sorriu Pyro- ele vai usar de psicometria para encontrar tudo e
todos. - Vejo que sua fama de
cavalheiro perspicaz é real, que bom. – Liath finalmente granjeou a simpatia de
Pyro- Mas e você, exanum; acha que me consegue algo?
Exanum
pareceu não ter ouvido. Alheio, estava de pernas cruzadas e coçava a têmpora
com o dedo indicador. Ficou nisso alguns segundos, e antes que Liath pudesse
perguntar novamente, despertou.
- Sim,
sim. O Velho vai lhe mandar algo antes que você vá embora. Quer algo mais para
facilitar o serviço?
- Sim,
quero equipamento adequado. Preciso de meios mecânicos para otimizar meu éter.
Vai ser informação demais para lidar por formas naturais. Sem falar que desta
vez, quase todos os alvos não são de matriz humana, preciso me adequar.
- Ah,
isso é para já- Exanum pegou um lápis sobre a mesa e numa folha de papel rabiscou
um endereço e algumas frases.
Entregou
a folha para Liath que leu até memorizar. Em seguida Liath mostrou a folha de
volta para Exanum e fez um gesto com a mão em direção á boca.
- Por
favor...
Exanum
soprou a folha que imediatamente se incinerou. Com um último pedaço em chamas
que sobrou em sua mão MacTíre acendeu um cigarro que tirou do bolso. A falta de
espanto no humano espantou os outros.
- Aí
está alguém que não precisa de isqueiros- se ria Liath
-
Peraí!- Yami subiu a voz.
- Você
sabia?- finalmente o sujeito de terno falou algo.
- Olha
aqui meu amigo, eu nasci de noite mas não foi na noite de ontem! Sou bruxo já
faz algum tempo e nós podemos ver suas fursonas sem muito esforço.
Exanum
sorria pela boa escolha do Velho, Pyro sorria pois sabia que alguém com alguma
capacidade fora mandado no socorro aos Furries. Yami, satisfeito intirgado,
esfregava os olhos querendo saber mais sobre o humano estranho. O da camiseta
relaxou, o único que ainda parecia tenso, era o de terno cinza.
Por
conta disso, a conversa tomou outro rumo e os tópicos da ata que havia sido
saltados foram abordados, mas em dado instante, Liath sentiu uma sensação
estranha, como se uma onda de um eco mudo tivesse percorrido o ambiente.
Exanum, que parecendo estar em transe,
olhava fixamente a cabeça de dragão no centro da mesa, se levantou e foi para
um outro canto mal iluminado. Voltando de lá com um envelope de papel pardo que
continha um volume do tamanho de uma caixa de presentes.
-
Pronto Liath, aqui está o que você pediu do Velho. Seja lá como for, pode
começar seu trabalho, mas não esqueça de antes ir ao engenheiro.
-
Ótimo- disse MacTíre disfarsando a surpresa que teve ao deduzir a forma de
entrega do objeto- bom senhores, vou indo pois acho que tenho muito o que fazer
e já me intrometi demais em seus assutos.
Só
nesse momento é que os outros notaram o volume em suas mãos. O de terno cinza
se mexia irrequieto na cadeira, piorou quando o convidado pegou seu garrote de
volta para por no bolso antes de sair.
Liath
virou as costas e se despediu. Com exceção do dragonete de terno, todos os
dragões se riam por dentro. Armaram uma pantomima a fim de confirmar suspeitas,
e conseguiram, o convidado de terno não era confiável; suas reações mostravam
isso. Fizeram uma pantomima para testar o humano, que também logo suspeitou do
terno cinza, e por conta disso, mentiu sobre si e sobre seu modus operandi.
Liath não era assassino, mas um guerreiro que respondia com a devida força ao
inimigo. E a coisa ficou ainda mais patente, quanto quatro dos cinco viram
sobre a imagem do corpo de Liath, uma belíssima armadura negra medieval, com
capa e tudo. E com o balanço da capa, apareciam insígnias de muitas
civilizações gravadas em prata. Eram as medalhas de suas reencarnações
guerreiras. Pyro, viu mais um detalhe, um elmo com forma de cabeça de lobo,
rico em detalhes, hiper realista até.
- Não
sei como o velho foi escolher uma matador barato para resolver nossas causas-
falou o homem de terno. Acho melhor afastar este sujeito, algo me diz que ele
vai ser problema, pode morrer gente.
- Sim
meu amigo, vai morrer gente, mas para lidar com monstros, é preciso soltar
outro monstro- maquinava Exanum- o o Velho sabe que agressividade só é calada
com agressividade. Se alguém tiver que morrer, que morram os homens e os
trolls.
Se os
outros dragões já não tivessem combinado tudo de prévia, as palavras de Exanum
soariam como loucuras imperdoáveis. Mas a peça continuava, mais uma cena para
assustar o vilão. E mais outra cena para bem dizer o humano esperto que não
caíra no engodo.
Já na
rua, Liath corta duas ruas paralelas até chegar no seu carro. Recostado no
capô, um jovem com cerca de trinta anos aguardava. Cabelos castanhos escuros,
moreno como os indígenas e físico de fisiculturista iniciante. Os óculos
escuros ocultavam o sorriso franco do espírito juvenil sempre disposto á dizer
algo de bom para alguém. Aos seus, era fiel como só um cão de batalha poderia
ser. Mas o mais importante era sua simplicidade, o jovem humano com nome de
peixe apenas se interessava no intercurso do nascer, crescer, reproduzir e
morrer; se pudesse ser útil aos seus nesse período, assim o faria.
-
Sardinha!- chamou Liath- algum esperto tentou nos multar?
- Não,
acha que alguém pensaria em multar um Monza 73 com um mestiço de índio sentado
no capô? E a reunião, como foi?
- Uma
droga!- Liath cruzava os braços sobre o teto do carro preto fosco- logo que
entrei, notei uma araponga cantadora sentada no meio dos sujeitos.
- Como
assim?- Sardinha se surpreendia- você disse que era um grupo de dragões, não
tinha como eles não perceberem.
-
Sinceramente, uma pulga do tamanho de um dog irlandês atrás da minha orelha,
diz que eles desconfiavam mas não tinham como confirmar. Por via das dúvidas,
menti deslavadamente, fiz me parecer com um sicário moderno; também dei á
entender que não sabia patavinas do caso. De qualquer forma- iam embarcando no
carro- consegui o que eu queria, amedrontei o passarinho dedo duro.
- Com
sorte, o criminoso de verdade, vai receber uma contra informação dizendo que os
furries teem um matador na manga! Malandro você...
-
Agora, senhor mecânico de automóveis, toca para o Centro. Vamos pegar
equipamento, presentes dos contratantes. Vamos ver o engenheiro deles. Para
variar, quero que você não apareça, mas fique por perto caso a coisa esquente.
Se o contato chega ao ponto de não ter nome prévio e exige senha; não podemos
relaxar.
- Sem
problemas- Sardinha começava sua piada preferida- Qualquer coisa, eu chego e
apresento meu primo Smith...
- &
Wesson- completou Liath rindo junto.
Rumaram
para a área residencial do Centro do Rio. Contornaram a Praça da Cruz vermelha
indo parar numa rua paralela, suja e estreita. Sardinha ficou no carro dentro
de um galpão que servia de estacionamento privativo.
Liath fizera
bolsos para armas sob os bancos do carro, debaixo do banco do carona, puxou uma
pistola de barra que colocou na cintura, pelas costas, sob o blazer. A arma já
ia engatilhada, estava apenas travada, para caso de emergência. Saiu do
estacionamento virando para a esquerda; caminhou na calçada atingindo o pequeno
cruzamento onde havia uma banca de jornais, uma casa lotérica e um bar. Ao lado
da lotérica, funcionava uma loja pequena, suja e entulhada de peças de
computador extremamente velhas, foi ali que ele entrou.
Um
velho calvo, barrigudo, vestindo uma camiseta velha marcada de suor seco
atendeu o visitante que chegava. Além do mofo, havia mais um cheiro no ar, mas
o investigador não conhecia bem o cheiro, não pôde acertar. Mas fitou o velho
com aparência lisérgica e falou:
- Oi,
boa noite. Vim para ter aulas de Guimp. Me disseram que aqui fica um professor.
- Quem
te mandou?- o comerciante letárgico perguntava.
- O
velho, aluno dele.
Senha e
contra senha certas. O humano sujo se levantou de sua cadeira suja, percorreu
sua loja suja e mostrou uma porta suja á Liath.
- Ele
está lá em cima. Suba as escadas e passe a outra porta. Ele está lhe esperando.
Assim
fez Liath. No auto da escada escura encontrou uma porta de ferro fechada.
Esticou a mão para bater mas um milésimo de segundo antes, se ouviu o choque de
uma trava de interfone na fechadura pesada e a porta se destravou.
Entrou
e se sentiu dentro de um cenário ciberpunk. A sala grande, iluminada em azul e
branco em outros pontos certos, estava entulhada de peças de todos os tipos e
de todas as épocas, reconheceu partes de maquinário que deviam datar da
primeira revolução industrial, recobertas por placas de circuitos soltas em
todo o lugar. Tubos plásticos da largura de um dedo, pendiam das paredes emitindo
luzes coloridas. Fios, tubos de cobre, pedaços de canos de latão, carenagens de
rádios antigos, contrastavam com peças de robótica, computadores avançados e
nano tecnologia. Tudo estava tão amontoado, que havia apenas um caminho
estreito para passar formando um quadrado. Num dos lados do quadrado, de
costas, um homem com seus trinta e cinco anos, moreno claro, olhos castanhos e
rosto arredondado; trabalhava com um curioso par de óculos de soldador sobre a
testa. A calça jeans e a camisa xadres com o bolso cheio de canetas, estavam
cobertas por uma capa de chuva transparente. As mãos por luvas cirúrgicas
pretas. E nos pés, talvez fossem botas de um traje de escafândrio com um
grossíssimo solado de borracha.
- Oi
meu, você é Liath MacTíre?- o engenheiro se virou para olhar o visitante.
- sim,
e você?
-
Chittor Cat, o Engenheiro.
Autor: Estevam Silva.
Ilustração: Marcos Aramha.


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