quarta-feira, 20 de agosto de 2014



E agora com vocês, mais um capítulo de A GEMA DE OTHILA, Um Conto Furry!

Cena 2 - Par de Ases.

                Com exceção  de Exanum, MacTíre parecia provocar desconforto nos outros jogadores do “Ninho”. Yami não disfarçava a curiosidade, o homem com a camiseta de dragão cinza tinha o semblante visivelmente endurecido. Pyro estava confuso, ao mesmo tempo que detestava ver assuntos de sua gente em mão humana, estranhamente simpatizara com o recém chegado. O sujeito no terno cinza estava rijo como um passarinho frente á cobra, pois Liath lhe fixou os olhos por um segundo. Ao fazer isso, o bruxo brevemente se perguntou o “porquê de tantos olhos? Seis?! O que este cara precisa olhar tanto?” Pois o que via na cabeça da imagem de um pequeno dragão que se sobrepunha ao o corpo deste convidado, eram seis olhos e longas orelhas muito empinadas para o gosto de Liath. Por via das dúvidas, mentalmente marcou o rosto do convidado de terno cinza. Mas se aquela boca estivesse aberta e o lobo visse o tamanho da língua ali guardada, teria sacado uma arma na hora.
                O primeiro a romper o silêncio foi o da camiseta de dragão, já saiu no ataque:
                - Não é pessoal, mas o que você, um humano está fazendo aqui?! Não tem nada haver conosco e vem de um meio que nos detesta! Não tem nada aqui pra você e você não tem nada para nós!
                - Et vive la diference!- zoubou Liath num Francês bem pronunciado....luva de pelica para o tapa moral que silenciou o agressor.
                - Meu amigo se expressou mal mas não deixa de ter razão Senhor MacTíre- ponderou Pyro- Com o que o senhor trabalha?
                - Sou Afinador de Piano...
                Fora Exanum, todos gargalharam.
                - Só pode ser desenho animado!- Yami iniciava uma piada- você vai fazer o quê?! Derrubar um piano na cabeça da besta?!- gargalhou de novo.
                - Não, planejo coisa mais leve; o instrumento inteiro não. Apenas uma corda; a corda de Dó Natural para ser exato. Um seguimento de 50 cm enrolado em dois tarugos de pau- ferro seguros com luva de couro...na garganta.
                Meteu a mão no bolso direito do blazer e jogou algo sobre a mesa. Era um garrote de enforcamento. O aço da corda de piano estava fosco, fosco de sangue, aquilo já foi usado no pescoço de alguém.
                Alguns engoliram seco, outros passaram as mãos sobre as gargantas.
                - Acho melhor se acalmarem e ouvirem o homem- falou Exanum.
                - Então você é militar? – voltou Yami

                - Humm, sim- Liath só esqueceu de dizer que não era militar nesta vida, mas em todas as suas encarnações anteriores. Agora, realmente afinava pianos.
                - Faz isso já há quanto tempo?- Perguntou Pyro.
                - Fiz alguns bicos para o governo, mas na iniciativa privada, estou há cinco anos. Extração e neutralização são minha especialidade. Dou sumiço em pessoas em risco e as troco de lugar dando outra identidade e rosto. Os agressores eu neutralizo.
                - Neutraliza? Como assim- Perguntou o da camiseta.
                Liath franziu as sobrancelhas e com os olhos apontou o garrote sobre a mesa e todos entenderam.
                - Bom, já entendemos sua forma de trabalho- disse Pyro- mas como e por onde o senhor pretende começar sua investigação?
                - Sinceramente...não sei- por via das dúvidas, Liath lançava uma contra informação para ocultar que já entendera o caso- estou tão perdido quanto os senhores. Mas o senhor Exanum aqui pode me prestar um grande favor.
                - O Velho disse que eu deveria lhe dar assistência no que precisasse, peça e se estiver ao meu alcance eu faço.
                - Preciso de alguma coisa do Velho, um objeto ou um pedaço dele.
                - Hein?! Um pedaço do Velho? Está louco?! Pra quê isso?!- Yami falava surpreso pelo que pensava ser uma blafêmia.
                - Psicometria- sorriu Pyro- ele vai usar de psicometria para encontrar tudo e todos.      - Vejo que sua fama de cavalheiro perspicaz é real, que bom. – Liath finalmente granjeou a simpatia de Pyro- Mas e você, exanum; acha que me consegue algo?
                Exanum pareceu não ter ouvido. Alheio, estava de pernas cruzadas e coçava a têmpora com o dedo indicador. Ficou nisso alguns segundos, e antes que Liath pudesse perguntar novamente, despertou.
                - Sim, sim. O Velho vai lhe mandar algo antes que você vá embora. Quer algo mais para facilitar o serviço?
                - Sim, quero equipamento adequado. Preciso de meios mecânicos para otimizar meu éter. Vai ser informação demais para lidar por formas naturais. Sem falar que desta vez, quase todos os alvos não são de matriz humana, preciso me adequar.
                - Ah, isso é para já- Exanum pegou um lápis sobre a mesa e numa folha de papel rabiscou um endereço e algumas frases.
                Entregou a folha para Liath que leu até memorizar. Em seguida Liath mostrou a folha de volta para Exanum e fez um gesto com a mão em direção á boca.
                - Por favor...
                Exanum soprou a folha que imediatamente se incinerou. Com um último pedaço em chamas que sobrou em sua mão MacTíre acendeu um cigarro que tirou do bolso. A falta de espanto no humano espantou os outros.
                - Aí está alguém que não precisa de isqueiros- se ria Liath
                - Peraí!- Yami subiu a voz.
                - Você sabia?- finalmente o sujeito de terno falou algo.
                - Olha aqui meu amigo, eu nasci de noite mas não foi na noite de ontem! Sou bruxo já faz algum tempo e nós podemos ver suas fursonas sem muito esforço.
                Exanum sorria pela boa escolha do Velho, Pyro sorria pois sabia que alguém com alguma capacidade fora mandado no socorro aos Furries. Yami, satisfeito intirgado, esfregava os olhos querendo saber mais sobre o humano estranho. O da camiseta relaxou, o único que ainda parecia tenso, era o de terno cinza.
                Por conta disso, a conversa tomou outro rumo e os tópicos da ata que havia sido saltados foram abordados, mas em dado instante, Liath sentiu uma sensação estranha, como se uma onda de um eco mudo tivesse percorrido o ambiente. Exanum,  que parecendo estar em transe, olhava fixamente a cabeça de dragão no centro da mesa, se levantou e foi para um outro canto mal iluminado. Voltando de lá com um envelope de papel pardo que continha um volume do tamanho de uma caixa de presentes.
                - Pronto Liath, aqui está o que você pediu do Velho. Seja lá como for, pode começar seu trabalho, mas não esqueça de antes ir ao engenheiro.
                - Ótimo- disse MacTíre disfarsando a surpresa que teve ao deduzir a forma de entrega do objeto- bom senhores, vou indo pois acho que tenho muito o que fazer e já me intrometi demais em seus assutos.
                Só nesse momento é que os outros notaram o volume em suas mãos. O de terno cinza se mexia irrequieto na cadeira, piorou quando o convidado pegou seu garrote de volta para por no bolso antes de sair.
                Liath virou as costas e se despediu. Com exceção do dragonete de terno, todos os dragões se riam por dentro. Armaram uma pantomima a fim de confirmar suspeitas, e conseguiram, o convidado de terno não era confiável; suas reações mostravam isso. Fizeram uma pantomima para testar o humano, que também logo suspeitou do terno cinza, e por conta disso, mentiu sobre si e sobre seu modus operandi. Liath não era assassino, mas um guerreiro que respondia com a devida força ao inimigo. E a coisa ficou ainda mais patente, quanto quatro dos cinco viram sobre a imagem do corpo de Liath, uma belíssima armadura negra medieval, com capa e tudo. E com o balanço da capa, apareciam insígnias de muitas civilizações gravadas em prata. Eram as medalhas de suas reencarnações guerreiras. Pyro, viu mais um detalhe, um elmo com forma de cabeça de lobo, rico em detalhes, hiper realista até.
                - Não sei como o velho foi escolher uma matador barato para resolver nossas causas- falou o homem de terno. Acho melhor afastar este sujeito, algo me diz que ele vai ser problema, pode morrer gente.
                - Sim meu amigo, vai morrer gente, mas para lidar com monstros, é preciso soltar outro monstro- maquinava Exanum- o o Velho sabe que agressividade só é calada com agressividade. Se alguém tiver que morrer, que morram os homens e os trolls.
                Se os outros dragões já não tivessem combinado tudo de prévia, as palavras de Exanum soariam como loucuras imperdoáveis. Mas a peça continuava, mais uma cena para assustar o vilão. E mais outra cena para bem dizer o humano esperto que não caíra no engodo.


                Já na rua, Liath corta duas ruas paralelas até chegar no seu carro. Recostado no capô, um jovem com cerca de trinta anos aguardava. Cabelos castanhos escuros, moreno como os indígenas e físico de fisiculturista iniciante. Os óculos escuros ocultavam o sorriso franco do espírito juvenil sempre disposto á dizer algo de bom para alguém. Aos seus, era fiel como só um cão de batalha poderia ser. Mas o mais importante era sua simplicidade, o jovem humano com nome de peixe apenas se interessava no intercurso do nascer, crescer, reproduzir e morrer; se pudesse ser útil aos seus nesse período, assim o faria.
                - Sardinha!- chamou Liath- algum esperto tentou nos multar?
                - Não, acha que alguém pensaria em multar um Monza 73 com um mestiço de índio sentado no capô? E a reunião, como foi?
                - Uma droga!- Liath cruzava os braços sobre o teto do carro preto fosco- logo que entrei, notei uma araponga cantadora sentada no meio dos sujeitos.
                - Como assim?- Sardinha se surpreendia- você disse que era um grupo de dragões, não tinha como eles não perceberem.
                - Sinceramente, uma pulga do tamanho de um dog irlandês atrás da minha orelha, diz que eles desconfiavam mas não tinham como confirmar. Por via das dúvidas, menti deslavadamente, fiz me parecer com um sicário moderno; também dei á entender que não sabia patavinas do caso. De qualquer forma- iam embarcando no carro- consegui o que eu queria, amedrontei o passarinho dedo duro.
                - Com sorte, o criminoso de verdade, vai receber uma contra informação dizendo que os furries teem um matador na manga! Malandro você...
                - Agora, senhor mecânico de automóveis, toca para o Centro. Vamos pegar equipamento, presentes dos contratantes. Vamos ver o engenheiro deles. Para variar, quero que você não apareça, mas fique por perto caso a coisa esquente. Se o contato chega ao ponto de não ter nome prévio e exige senha; não podemos relaxar.
                - Sem problemas- Sardinha começava sua piada preferida- Qualquer coisa, eu chego e apresento meu primo Smith...
                - & Wesson- completou Liath rindo junto.
                Rumaram para a área residencial do Centro do Rio. Contornaram a Praça da Cruz vermelha indo parar numa rua paralela, suja e estreita. Sardinha ficou no carro dentro de um galpão que servia de estacionamento privativo.
                Liath fizera bolsos para armas sob os bancos do carro, debaixo do banco do carona, puxou uma pistola de barra que colocou na cintura, pelas costas, sob o blazer. A arma já ia engatilhada, estava apenas travada, para caso de emergência. Saiu do estacionamento virando para a esquerda; caminhou na calçada atingindo o pequeno cruzamento onde havia uma banca de jornais, uma casa lotérica e um bar. Ao lado da lotérica, funcionava uma loja pequena, suja e entulhada de peças de computador extremamente velhas, foi ali que ele entrou.
                Um velho calvo, barrigudo, vestindo uma camiseta velha marcada de suor seco atendeu o visitante que chegava. Além do mofo, havia mais um cheiro no ar, mas o investigador não conhecia bem o cheiro, não pôde acertar. Mas fitou o velho com aparência lisérgica e falou:
                - Oi, boa noite. Vim para ter aulas de Guimp. Me disseram que aqui fica um professor.
                - Quem te mandou?- o comerciante letárgico perguntava.
                - O velho, aluno dele.
                Senha e contra senha certas. O humano sujo se levantou de sua cadeira suja, percorreu sua loja suja e mostrou uma porta suja á Liath.
                - Ele está lá em cima. Suba as escadas e passe a outra porta. Ele está lhe esperando.
                Assim fez Liath. No auto da escada escura encontrou uma porta de ferro fechada. Esticou a mão para bater mas um milésimo de segundo antes, se ouviu o choque de uma trava de interfone na fechadura pesada e a porta se destravou.
                Entrou e se sentiu dentro de um cenário ciberpunk. A sala grande, iluminada em azul e branco em outros pontos certos, estava entulhada de peças de todos os tipos e de todas as épocas, reconheceu partes de maquinário que deviam datar da primeira revolução industrial, recobertas por placas de circuitos soltas em todo o lugar. Tubos plásticos da largura de um dedo, pendiam das paredes emitindo luzes coloridas. Fios, tubos de cobre, pedaços de canos de latão, carenagens de rádios antigos, contrastavam com peças de robótica, computadores avançados e nano tecnologia. Tudo estava tão amontoado, que havia apenas um caminho estreito para passar formando um quadrado. Num dos lados do quadrado, de costas, um homem com seus trinta e cinco anos, moreno claro, olhos castanhos e rosto arredondado; trabalhava com um curioso par de óculos de soldador sobre a testa. A calça jeans e a camisa xadres com o bolso cheio de canetas, estavam cobertas por uma capa de chuva transparente. As mãos por luvas cirúrgicas pretas. E nos pés, talvez fossem botas de um traje de escafândrio com um grossíssimo solado de borracha.
                - Oi meu, você é Liath MacTíre?- o engenheiro se virou para olhar o visitante.
                - sim, e você?
                - Chittor Cat, o Engenheiro.



Autor: Estevam Silva.
Ilustração: Marcos Aramha.

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