sexta-feira, 29 de agosto de 2014


Cena 5 – Tilt.

                Shimon estava tonto, não conseguia se lembrar de nada recente. O estomago revirava querendo vomitar pois o cheiro estava insuportável. Fezes, vômito e urina contaminavam o ar pesado no ambiente quente. Não conseguia enxergar nada pois a escuridão era absoluta. Sentia uma enorme pressão nos joelhos e nas costas, enquanto a cabeça encostava em algo metálico e frio.
                Tentou se mover, mas não conseguiu muito, lutou com o próprio corpo e ficou de pé. Ao tentar andar, não conseguiu, algo lhe impedia o caminho. Tentou abrir os braços mas foi impedido novamente. Afastou as mãos do corpo um pouco e lentamente tateou tentando saber onde estava, ao fim de alguns minutos tomou pé da realidade. Literalmente estava engaiolado! E a gaiola era tão estreita, que só conseguia ficar de pé; para piorar tudo, estava nu e descalço. O enjoo se transformou em pânico e vomitou, acabando por molhar a si mesmo.
                O pânico, o cheiro e o calor se juntavam as dores físicas formando uma agonia insuportável. Para um humano aquilo já seria demais, mas para um furry therian, era ainda pior. Estava preso como um animal.
                - Oi...oi!- a voz saia arrastada como se estivesse bêbado- tem alguém aí?!
                Saltou espantado, pois a primeira resposta foi um grito medonho, agudo, rouco e longo. Em seguida vieram gritos e murmúrio de outras tantas vozes, mas ele nada entendia pois estava tonto demais. Porem era um coral medonho de se ouvir a qualquer momento, em qualquer lugar.
                - Gente, alguém me tira daqui...me tira daqui pelo amor de deus!!!
                Sua voz se somou ao coro aterrorizador, mas seu som voz era diferente, era o grito desesperado de um therian que relutava por não se conhecer. Ele mesmo ainda não se sabia um dragão apesar de que outros furries lhe diziam.

                Ela estava de barriga para cima, nua em sua gestação, o cheiro de esgoto lhe revirava o estômago. Ao tentar se levantar, deu com a testa em algo que parecia uma tela de arame grosso, a pancada a fez gemer baixo. Cida Presade em seus 19 anos humanos, lutava com a escuridão mas não via qualquer coisa. Começou á ficar realmente nervosa quando notou que não tinha espaço para se mover, o único movimento possível era o da cabeça que podia girar de um lado para outro ou então balançar, de resto, não conseguia mexer mais nenhuma parte do corpo. Batia com os joelhos contra a tela tentando se libertar quando ouviu uma voz a sua direita.
                - Fica quieto, se chamar a atenção aí é que eles veem te buscar- falava a voz de um homem velho que sussurrava muito perto.
                - Onde é que a gente está?!
                - Ah, você é mulher...desculpas mas cadê o homem que estava aí?
                - Não sei de homem nenhum, me tira daqui!
                - Shh, fala baixo ou eles te pegam.
                - Quem?
                - Não sei, mas vez em quando eu escuto barulhos de grades abrindo e vejo luz de lanternas, então alguém começa a gritar. Apanha porque está gritando e depois quando ouço uma porta fechar tudo silencia. E quando as lanternas aparecem, os que estão com as luzes falam numa língua estranha.
                - Como você chegou aqui? Eu lembro que eu estava saindo do supermercado...senti uma dor nas costas e agora estou aqui.
                - Eu estava dormindo na rua, só sei que quando acordei eu estava aqui. Achei que era pesadelo mas agora eu sei que não estou nem bêbado e nem dormindo.
                Cida suava em bicas, o cabelo colava na face lhe produzindo uma sensação de sufocamento. Então sentiu algo se mover perto dela, logo acima. Veio um fedor forte e sentiu algo quente se derramar em sua perna direita. Quase engasgou com o próprio vômito quando se deu conta de que eram fezes. De cima, uma voz demente sussurrava repetidamente.
                - A faca não, a faca não doutor. A faca não, a faca não...
                Aquele murmúrio a estava deixando ainda pior, estava enlouquecendo e entrando em pânico.  Ouviu um grito apavorante e muitas outras vozes seguiram a primeira; gemiam, lamentava, gritavam. A certa distância, uma voz de homem gritou;
                - ...me tira daqui pelo amor de deus!!!
                Cida não se conteve e soltou o grito mais medonho da sua vida, e um turbilhão de vozes infernais, no escuro respondeu.

Autor: Estevam Silva.

Ilustrador: Marco Aramha.

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