sexta-feira, 29 de agosto de 2014


Cena 9 – Blefando Contra um Desconhecido.

                Numa das salas do Castelo, Sardinha se mantinha sentado há dias. Tinha acampado no quartel general dos bruxos e era seguido por Aleyster. Os dois amigos estavam devidamente preocupados com um terceiro amigo que deitado em uma maca fria numa sala trancada, preocupava á todos por estar em coma há vários dias.
                - Sardinha – falava Aleyster que por ser o mais velho dos três, se preocupava também com o mais novo – tome um banho e coma alguma coisa. Você não dorme há dois dias e está só a base de sanduíches. Desculpe-me, mas Liath não vai sair daquela sala tão cedo.
                - Eu sei, eu sei. Mas não me conformo com o coma dele. Sei que os médicos sofreram para não perder o cara, mas eu não me conformo. Sabe, eu fiquei sem chão quando o vi tendo convulsões em cima daquela maca toda pintada com o sangue dele. Rezei muito para o cirurgião fazer o trabalho seu trabalho tendo chegado aqui ás pressas e quase sem equipamento nas mãos. E agora, além do coma, essas febres acima dos quarenta graus que ele está enfrentando. Ninguém normal resiste á isso, mas ele é  um bruxo. Ouvi dizer que gente em coma, só não se meche, mas sente tudo, sabe de tudo que está em volta. Dentro daquele corpo ele deve estar pedindo para morrer.
                - Cara, você na verdade agora tem outra coisa para se preocupar – Alyester ia chamar o amigo de volta para a realidade – os deuses nos livrem dele fazer a última viagem – é assim que os bruxos falam em morte – mas se ele ficar naquela maca muito tempo, a investigação tem que continuar, o risco geral é grande e a tal besta com isso está ganhando tempo e tomando a frente. Você vai ter que assumir a missão. O conselho dos bruxos da nossa cidade está de cabelos em pé vendo seu melhor soldado abatido e o mundo espiritual fechado para a maioria de nós. Você tem de levantar daí, descansar um pouco e por a mão na massa.
                - Aleyster, sinceramente; estou com medo de não corresponder. Você mesmo acaba de dizer que ele é o nosso melhor soldado. Eu treino dia e noite com ele, mas ainda não estou pronto, meu treinamento ainda não acabou.
                 - Desculpe a sinceridade, mas acabou o treinamento. Seu treino agora é a ação. Mas não se preocupe, enquanto você estiver fora, tem muita gente aqui cuidando dele. Isso sem falar que desde que vocês chegaram, a porta da sala está trancada e só os médicos entram, mas foram isso, o entra e sai de elementais e totens de todo o tipo é uma coisa que ninguém nunca viu aqui. O mundo espiritual está fechado mas parece que metade dos espíritos do cosmos está vindo aqui trabalhar em cima do Liath. Vá para casa, descanse e retome de onde vocês pararam. Agora se me dá licença, tenho de ir. Eu tinha pedido uma nova remessa de armas para vocês e se não me engano, o material deve estar aí. Preciso receber tudo e esconder para que os normais não achem isso.
                - Certo, eu vou tomar um banho, trocar de roupa e ir para casa. Mas antes de sair vou passar na sala para dar mais uma olhada nele.
                Liath por sua vez, mesmo desmaiado, sentiu quando dias atrás chegou no Castelo nos ombros de Sardinha. Ouviu o grito espantado de Aleyster e de mais outros bruxos conhecidos seus. Foi deitado na maca e sentiu o cirurgião abrir com tesoura o tecido das roupas nos lugares dos ferimentos. Mas quando o médico ia começar á trabalhar, a sala ficou toda branca, parecendo estar tomada por uma neblina grossa. Então dois lobos surgiram nessa neblina. Apoiaram-se na maca, cheirando o detetive e num gesto de carinho passaram á lhe lamber os ferimentos com sua saliva medicinal. Depois de sentir algum alivio; o bruxo viu um homem em pé ao lado dele. Era a sombra, o espírito de um sujeito que era forte feito um trator, a pele era clara, os cabelos castanhos muito lisos, estavam cortados á moda militar da segunda guerra. Os olhos verdes tinham um olhar duro e decidido. A sombra vestia a farda que a Legião Estrangeira da França usava na época da Segunda Grande Guerra. Na placa de identificação acima do bolso se lia Cap. Bloch. Acima da placa do nome havia um brevê, uma identificação de paraquedista e na manga esquerda da camisa se via o símbolo da lendária 9º Divisão de Paraquedistas Legionários.
                O soldado sorriu de um jeito estranho para Liath, o segurou com uma mão pesada feito pedra e por um dos braços, atirou o detetive para o teto. Liath foi expulso do próprio corpo e nem teve como reagir. No mundo material ninguém viu isso, mas foi então que vieram a convulsão e o coma que durante dias iam amedrontar Sardinha e Aleyster.
                O detetive ia e voltava do próprio corpo á todo o momento, mas ao voltar nunca estava só. Sempre havia algum soldado, de algum país e época diferentes; até um ninja apareceu; mas quase sempre quem estava na sala era o legionário sinistro.
                Mas depois de não se sabe quanto tempo, Liath realmente acordou e saiu do coma. Estava só na sala silenciosa e escura. O corpo doía muito e os ferimentos inflamados e pingando pus não o deixavam se mexer. Mas então o capitão voltou e andou para junto da maca gelada. Parecendo ter um corpo físico, o militar virou o detetive na maca com violência, lhe pôs a mão grande e áspera sobre o coração e pela primeira vez o soldado falou num francês de homem culto:
                - Que bom que você acordou, mas agora é hora de ir soldado. Temos muito o que fazer.
                O detetive sentiu como se uma casa lhe caísse em cima do corpo e não viu mais nada, estava inconsciente mais uma vez. Mas se levantou da maca normalmente, caminhou até as roupas remendadas e as vestiu. Pegou cada um de seus objetos pessoais, vestiu o coldre onde colocou a pistola e calçou as botas que ainda tinham algumas manchas do seu próprio sangue. Mas na hora de pegar o celular que Chittor havia feito para ele, algo estranho aconteceu.
                Quando a mão do humano chegou perto, o aparelho se ligou, mas a tela ficou toda vermelha e a frase “alerta de intruso” apareceu. O aparelho tremia de um jeito sinistro, parecendo uma bomba pronta para explodir. A mão se afastou e o aparelho apagou. O detetive então olhou em volta, tinha de sair, mas ao contrário do normal, ao invés da porta foi para a janela. Olhou para baixo, a rua lateral estava somente á um andar abaixo. Subiu no parapeito, encostou a janela para dar a impressão que ela estava fechada e saltou. Caiu com os pés na calçada vazia. Ninguém o viu ou escutou, o porteiro do prédio na calçada em frente dormia e a noite esvaziava a avenida Rio Branco logo ao lado.. Então, sem sentir os ferimentos, seu corpo se moveu na direção de sua casa á alguns minutos dali em linha reta.
                Minutos depois Sardinha entrou na sala com lágrimas prontas dentro dos olhos, acendeu a luz e viu ninguém. A sala estava vazia, seu mentor havia sumido. A mão do jovem bateu com força no botão de emergência ao lado da porta, bruxos começavam á brotar correndo de todos os cantos do prédio. Liath havia sido levado, alguém passou por toda  a guarnição do Castelo e como um ninja levou o corpo de um bruxo em coma. Só restou de Liath o celular. A tela do aparelho pulsava devagar com uma luz amarela, ali sardinha leu “sem sinal procurando rede.” O aparelho também procurava o dono.
                Minutos depois duas recepcionistas acabavam seu turno de trabalho no hotel três estrelas que funcionava na rua do bruxo. Uma delas o identificou, mas mesmo quando o homem passou andando feito um robô á alguns metros das mulheres, uma delas sentiu algo estranho e falou para a amiga:
                - Olha menina, é ele!
                - Ele quem? – perguntou a outra.
                - Lembra que uma vez eu quase fui assaltada na rua atrás do hotel e um morador daquele prédio em cima da lotérica me salvou?! É aquele homem ali, mas ele está estranho, a pele dele está vermelha e ele está tão quente que passou por nós parecendo uma fogueira acesa. Deve estar ardendo em febre de tão doente, não sei como está andando... tadinho...
                Liath viu tudo preto em sua frente, quando a vista clareou, se viu deitado no chão da sala de seu apartamento, apenas lembrava de ter olhado pela janela lateral do Castelo. Estava banhado de suor; caminhou com muita dificuldade para o banheiro, tirou as roupas e debaixo do chuveiro limpou os ferimentos com um remédio conhecido apenas pelos bruxos e alquimistas. No quarto, se vestiu e caminhou para a sala, pegou a garrafa de uísque sobre a geladeira, estava tão fraco que a garrafa parecia pesar dez quilos. Sentou-se á escrivaninha e ligou o computador, tinha que trabalhar nas pistas que ainda não havia observado, a ideia era achar um sinal da gema e sabia como fazer isso.
                Abriu uma gaveta e puxou a caixa que Exano lhe deu quando o detetive estava entre os dragões. Abriu a caixa de madeira e da lá tirou uma caneta com ponta de pena toda banhada em ouro. A caneta era do “Velho”, colocou a caneta dentro do scanner e comandou o computador para escanear e rastrear. Enquanto a máquina fazia seu trabalho, ele acessou a rede digital privativa dos furries, queria saber se algo mais acontecera, queria tranquilizar os amigos que o davam por morto e também queria fazer contatos. Sabia que o inimigo tinha uma tropa ao seu serviço, se Liath quisesse enfrentar o inimigo, teria de levantar um exército também.
                Nas muitas vezes que saiu do corpo durante o coma, falou com o espírito do Alpha da Matilha Grande, sabia que lobos forasteiros chegaram na Floresta da Tijuca, sabia seus nomes e até mesmo onde estavam. Formaram uma nova matilha e já havia um novo Alpha na cidade. Conseguiu contato com quase todos por meio da rede. Encontrou Tiger que não escondeu a felicidade ao saber que seu irmão humano estava vivo. Conheceu Albus, á quem convidou para ir para a Floresta da Tijuca se unir aos outros. Conheceu também Kuma, um jovem urso que morava no interior Rondônia.
                Liath não sabia, mas na casa de Kuma havia mais um furry, Azure Nyoki era um dragão já desperto. Mesmo sendo ainda muito jovem, antes do tempo normal Azure já havia se formado em Biologia; se hospedou na casa de Kuma sob desculpa de pesquisar para sua tese de mestrado em Genética. Azure queria falar com Kuma e se sentou ao lado do amigo no computador. Kuma logo notou que o amigo não estava bem  mas disfarçou tentando animar o dragão.
                - Olha só Nyoki! Lembra que o pessoal do Rio, São Paulo e Minas,  está falando de um troço sobre uma besta que anda matando furries por lá?
                - Sim, lembro – falou o dragão incomodado pelas dores no ombro direito.
                - Lembra também que disseram que tem um detetive bruxo correndo atrás da besta? Pois é, eu estava aqui na chat com o pessoal do Sudeste e olha quem apareceu, o detetive. Pegue o seu tablet e fale com ele também! O cara parece ser legal, e pelo que vejo, todo mundo que está no chat conhece ele. Vem, entra!
                 - Não Kuma, obrigado. Eu não estou passando bem, lembra que meu ombro tem doido de novo esta semana? Pois é, sempre que isso começa eu tenho problemas, o pior é que nunca doeu tanto como neste exato momento. Eu vou embora.
                O urso olhou para o amigo e viu sua fursona ligada. Nyoki era um dragão branco com detalhes azuis, mas quem via sua fursona  se assustava, nela haviam vários implantes mecânicos, Azure Nyoki era um dragão androide. Os implantes foram postos ali á força por não se sabe quem, Azure nunca lembrava. Mas ele sabia que quando as dores no implante do ombro esquerdo começavam, homens loiros e grandes feito postes apareciam tentando sequestra-lo. Mas agora as dores eram maiores, ou os sequestradores estavam muito perto, ou mais gente o procurava. A única saída era fugir. Kuma não tinha como dizer não, foi com tristeza que viu o amigo ir para a floresta, preparar sua partida. Azure evocou uma magia de dragão muito antiga, a terra pareceu tremer, uma névoa se levantou e do chão o espírito de um dragão ancião surgiu. Nyoki o viu e apenas perguntou:
                - Para onde?
                - Para o mar, procure o lobo negro que vive na toca junto do mar.
                Quando o sol raiasse, Azure estaria de malas prontas dentro de um barco para a cidade de Porto Velho, ali pegaria um avião para o Nordeste e começaria a buscar o tal lobo do mar.
                No exato instante em que Azure saiu da casa, o computador do detetive terminou a busca. Um sinal bem ativo estava na Zona Oeste do Rio, era “OVelho” morrendo em sua casa. Um sinal médio da gema estava na Região dos Lagos do Rio, um outro maior na Cordilheira dos Andes e um último, o menor de todos estava em Rondônia. Este sinal era o único em movimento. Mas o detetive estava tão mal que entendeu Roraima, não resistiu ao entusiasmo e declarou os sinais no chat, todos se alegraram com a boa notícia. Fora isso, Liath pedia a Kyle, membro da Matilha Nova que convocasse mais lobos, queria uma matilha completa, cinquenta lobos. O detetive começava á reunir sua tropa. Mas de repente, sentiu a febre subir e teve que sair do chat.
                Neste momento escutou uma voz de homem atrás de si, vinda da parede a voz falou em Francês:
                - Chega, você já descansou o suficiente. Precisamos marchar de novo.
                Quando olhou para trás, Liath viu o legionário, que de tão perto estava quase em cima dele. A vista de Liath escureceu novamente.
Autor; Estevam Silva.
Ilustrador: Marco Aramha.


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