segunda-feira, 18 de agosto de 2014


Cena 1. Full House de Dragões.

                Era a primeira tarde de outono daquele ano, o sol se punha no lugar de sempre, mas daquele lado do céu tudo estava escuro. Nuvens baixas e carregadas, mas na direção de onde o sol viera, o céu era limpo como deveria ser no fim da tarde do verão que terminara um dia antes. Isto já bastava para dizer a quantas andavam as coisas numa sociedade pouco ou mesmo desconhecida para os humanos. Da mesma forma estavam as mentes daqueles que integravam esta sociedade; melhor dizendo, esta cultura social.
                Do lado onde o céu se complicava, num ponto afastado da cidade do Rio de Janeiro. Dentro de um galpão que já havia pertencido a uma fábrica de pelúcia, se distinguiam cinco formas dentro do enorme espaço mal iluminado. A mesa redonda, forrada de feltro verde, vista num primeiro momento, daria a impressão de uma mesa de Poker, com uma luminária baixa pendendo do teto, iluminando o espaço justo. Mas em que mesa de Poker há papéis velhos em seu tampo? Não haviam cartas ou fichas, mas alfarrábios e mapas; pastas francesas contendo dossiês e busto de um dragão vermelho no meio de tudo. Não havia o costumeiro uísque, nem mesmo água, pois os jogadores não precisavam, mesmo após as três noites e dois dias de reunião.
                Os jogadores aliás, eram um capítulo á parte. Yami, com sua camisa preta e vermelha, parecia cansado, na verdade estava enfadado, esperava pela entrada do tema principal da pauta desta reunião. Um segundo componente da mesa, se complicava para se manter na cadeira, usava uma camiseta com a estampa de um dragão cinzento, par de chifres, pele escamada, capa e tanga de tom verde esmeralda, e um sorriso maroto no rosto, estava tentando se adaptar num móvel feito para um humano. Pyro por sua vez, trazia roupas as cores azul, lilás e vermelho, como a chama feita por gás nobre. Era leve ao ponto de parecer ter asas As asas de pássaro amenizavam o aspecto ancestral.,Havia no seu semblante, mesmo com os óculos e o cavanhaque,  um ar de nobreza antiga, nobreza renascida do ovo da fênix. Havia mais um homem em roupas simples e outro num terno cinza. Por fim, Hexano, um dos mais jovens;, suas vestes eram em branco e azul; jovem mas nem por isso o menos importante, pois ele era o emissário responsável pela pauta final, trazia as mensagens e as considerações daquele que na mesa era chamado apenas de o velho; o  nome verdadeiro, era antigo e importante demais para ser mencionado de forma passageira. Mas um par de olhos ocultos na escuridão, enxergava tudo como se as cores fossem escamas sobre corpos de dragões projetados sobre as aparências humanas.
                - Gente, não é por nada não- se pronunciava Yami- mas acontece que eu vim só pro tema final, tem ainda umas duas ou três coisas, mas são bobeiras. Dá pra gente passar pro que trouxe a gente aqui de verdade? O “Velho?
                Cabelos se enricaram ao ouvir a referência.
                - Senhores- Pyro tomava a palavra- como mediador, devo dizer que a pauta deve ser obedecida rigidamente, mas em considerações finais, dois tópicos podem realmente ficar para a próxima reunião do “ninho”. Aprovada a moção para ouvir e votar o tema final trazido pelo Exano?
                Exano até o momento, não dissera palavra. Sua única função ali era o tema final, era emissário do “Velho” ; com suas feições de oriental como tal se portava, atemporal, silencioso e misterioso. Esse foi mais um motivo para todos se decidirem pelo imediato iniciar do tópico final.
                - Irmãos do Ninho; como todos sabem, eu vim falar em nome do Velho. É também de domínio geral que ele está no fim de seu tempo entre os homens, já ensinou muitos da nossa espécie e agora vai reclamar seu momento e direito de ir para as estrelas. Por isso mesmo, é hora de passar a joia. Aliás a joia já foi passada para um menino nascido no país de origem do Velho, isso há muito tempo atrás. É a hora do despertar do herdeiro, mas temos problemas. Primeiramente, o velho tem um filho, um filho consanguíneo e humano.
                Quando a última palavra cortou o ar, vários contorceram o semblante.
                - Mas ele não é o herdeiro, esta é a primeira parte do problema. Num segundo plano, a joia do velho perdeu sua presença, não brilha mais dizendo onde está e com quem está, seu último sinal literalmente se tornou uma encruzilhada. Para piorar, o filho humano do velho sumiu há cinco anos levando os alfarrábios do pai; mas isso não lhe fez falta pois os conhecimentos do Velho estão em sua mente. Custeado por esses conhecimentos, o filho fincou o pé entre os homens e se tornou um grande empresário, dono de uma empresa hoje em dia esmigalhada. Isto acarretou o desaparecimento do filho homem e com ele o livro do Velho.
                - Tá! – Yami interrompe- mas o que tem a ver a cueca com a calça? Sim, é um tema importante para nós dragões, mas na ata, dizia que seria importante para os Furries, Otherkins e Therians em geral. Não vi nada disso até agora.
                - Simples Yami, está correndo nas profundas da sociedade que uma besta ancestral corrompida que age por meio  da Yif in Hell se infiltrou entre nós, especificamente os dragões, e soube disso tudo. Acontece que como os conhecimentos do Velho são muito amplos, afetam os Furries como um todo, se esta besta alcançar a joia e o livro, estamos ameaçados como um todo. Será o fim dos Furries e tudo o que há oculto por trás das fursuits.
                Agora sim a gravidade foi entendida e se fez pesar na mesa, beirava o desespero. Mas então o emissário começa á cumprir a segunda parte do seu papel:
                - Mas o Velho também já pensou a solução- continuava Exano- para nós é mais difícil resolver a questão justamente por isso que acabo de testemunhar, o envolvimento emocional. Então por isso ele mandou chamar um investigador que vai se encarregar disso tudo, alguém que não é como nós mas se parece conosco; caminha entre nós mas não é um de nós; até será bem aceito em algumas ocasiões, faz algumas coisas que fazemos e assim como nós, não é alguém bem aceito entre os homens quando revela sua identidade.
                - Mas quem de fato é essa pessoa?- Interrogava Pyro- tem similaridades mas não é um de nós. O que de fato ele é?
                - Simples, um humano!
                Novo choque a mesa, como de fato um homem poderia solucionar alguma coisa nesta cultura? Cabeça muito pequena, preconceitos demais. Que tipo de humano poderia influir positivamente nisso tudo?
                Neste momento, Yami em sua juventude se distrai por um momento na discussão, e por um momento, quando seus olhos miram um canto escuro. Pareceu ter visto dois pequenos reflexos amarelos dentro da escuridão, mas nada realmente digno de chamar a atenção.
                A tristeza pairava, o destino dos Otehrkins e dos Therians iria morar nas nãos de um simples humano, um ser não confiável.
                - Mas para se envolver com nossa gente- continuou Pyro- com certeza não deve ser um qualquer, Exano, o que é este homem e quando vai chegar?
                - Um bruxo! E não virá, pois já está aqui. Tanto que está observando a conversa da mesa há horas.     
                - Como assim?! – Foi uníssono entre quase todos os presentes
                - Essa é a especialidade dele, entrar e sair com descrição e no meio disso fazer o que se deve. Posso apresentá-lo? Devo chamar o lobo?
                A menção da palavra lobo provocou uma tensão muda a mesa. Mas então com o consentimento geral, o convidado de última hora foi chamado.
                Daquele mesmo canto escuro que Yami havia olhado segundos antes, veio o reflexo amarelo, agora visível á todos. O reflexo estava baixo, mas então se levantou na escuridão e de lá saiu um humano, que ao entrar na luz, o reflexo amarelado sobre seus olhos negros se apagaram. Era moreno, com o cabelo preto bem rente. Magro mas atlético, vestia roupas casuais e um blazer de couro, tudo preto e no pescoço um cordão de prata com uma Runa no pingente. O rosto dizia que habitualmente agia com força considerável e tinha disposição severa.  Pegou uma cadeira e se juntou ao grupo.
                - Senhores, boas noites, Liath MacTíre ao seu serviço.

Autor: Estevam Silva.
Ilustrador: Marcos Aramha.

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