Cena 6 - Jogadores
Agressivos.
A
reunião da tarde foi mais uma conversa do que um relatório. Os três eram amigos
de infância, a amizade importava mais do que a hierarquia. Aleyster era o mais
velho, Liath o do meio e Sardinha o mais novo. Aleyster começou nos mistérios
da bruxaria primeiro e ao crescer se tornou professor. Liath veio poucos anos
depois, tentou completar a faculdade mas durante o curso, iniciou a vida de
investigador forçadamente e começou a
afinar pianos para os colegas de faculdade lhe garantia uma renda. Já
Sardinha, era o mais jovem, começou por último e era o único que era realmente
ensinado por um dos outros dois durante as folgas na oficina. Foi Liath quem
lhe percebeu os dons e o trouxe para o meio dos bruxos. Agora lá estavam os três
em um prédio antigo do Centro do Rio, sobre uma enorme livraria que funcionava
no térreo de um edifício de quatro pavimentos. Os três se reuniram e
conversaram numa sala no segundo andar do edifício de uma suposta empresa. Mas
a empresa era de um bruxo milionário que cedeu o prédio para os líderes da
bruxaria local. O lugar era conhecido pelo codinome de castelo, pois era de
fato um palacete.
Na
verdade, Aleyster queria entregar um presente da Guilda para os investigadores
trabalharem. Sardinha ganhou um belíssimo Sabre Toledo, enquanto Liath recebia
uma Kataná Ninja To, mais adequada ao seu estilo de combate. Porém essas
espadas iriam revelar mais mistérios sobre si mesmas.
De
noite o combinado matinal funcionou, Sardinha foi para a casa da troll enquanto
Liath invadia o escritório do terno cinza. Na manhã seguinte se encontraram na
casa de Liath para avaliar seus progressos.
- A
menina quer que eu volte lá hoje- dizia Sardinha- se continuar assim, terei
mais trânsito com ela e poderei investigar o que ela leva do trabalho para
casa. Isso sem falar que notei uma coisa; ela é falante demais, já contou
algumas indiscrições do patrão. A qualquer hora, sairá algo de interessante.
-
Certo- respodia Liath- vamos segurar a fonte. Mas como foi o andamento da coisa?
Você está com a cara meio cansada- Liath zombava.
- Não
vou ser indiscreto com a “dama”- Sardinha dobrava os dedos destacando as aspas
ao se referir a ela como dama- mas eu
digo que nunca vi ninguém sustentar tanta libido! Só agora eu entendo o que os
mitos antigos diziam sobre as trolls tentarem seduzir os humanos para
escraviza-los. Foi bom demais, por mim eu volto lá agora. Mas sei lá o que ela
quer de mim?! Ela não é nem uma troll de verdade, é só uma boba de internet,
mas as similaridades com o comportamento desses elementais é tão grande que se
confundem. Ainda bem que ela não é uma troll encarnada ou uma Elemental pura,
senão, eu estaria ferrado e já seria escravo do charme torto dela. Mas e agora,
por onde vamos?
- No
escritório do Terno Cinza, fiz cópias de uma montoeira de papéís os quais
depois vamos ter que examinar com muita calma. Mas o clima daquele lugar é
estranho, nada me convence de que a única anomalia ali é uma trollsinha de
internet. Definitivamente há algo mais. Porém, agora temos de averiguar a
novidade. Vamos checar o sumiço do dragão. Já chegou o e-mail do Were Fenrir,
sei onde foi o último avistamento. Vamos lá agora.
Fim da
manhã e estavam os dois no bairro do Méier, subúrbio carioca. O lugar era numa
avenida extensa mas de pouco trânsito pois a via era a divisora de duas favelas
com facções do tráfico inimigas. Bastava se atravessar a rua para mudar de
lado. Shimon foi visto pela última vez as portas de um enorme galpão
abandonado.
-
Cuidado, acho que só de olhar você já deduz o risco. Mas o lugar é estranho
mesmo. Tempos atrás executei uns serviços para uma loja de pianos logo depois
daquela esquina e passava por aqui para pegar o ônibus para casa. Várias vezes,
ouvi ruídos dentro do galpão. Dizem que os traficantes o estão usando como
laboratório. Mas com certeza, não foram eles que sumiram com Shimon. Vamos
perguntar por aí. Mas tem que ser algo certo, e sem chamar a atenção, ou vamos
sair daqui sob tiros.
- Mas
aqui não tem nada nem ninguém com cara de confiável para interrogar? Onde vamos
arranjar uma testemunha nesse buraco- Sardinha ainda não tinha a mesma malícia
que seu tutor.
Liath
olhou em volta e viu uma placa na entrada da favela, a casa da placa tinha
portas e janelas que davam frente para a rua e sua moradora podia ser vista
pela janela. Para ter o pretexto certo, Liath pegou um canivete e produziu
alguns defeitos na camisa que usava. E lá se foram os dois.
De
fato, a moradora justificava a fama de fofoqueira da sua profissão. Falava
pelos cotovelos e era indiscreta, Liath foi lentamente chegando no assunto e
descobriu o motivo de Shimon estar naquele lugar.
- Home
si minino- falava Dona Zefinha- o rapaz teve aqui sim pra arrematá uma fantasia
de pilúça, num sabe? Cabra simpático, pagou bem e até convidô minha sobrinha
Craudiane prá í num tal evento fúrru mód vê ele vestindo aquela roupa do
cancro. Ô troço quente!!!
-
Rapaz- sussurrava Sardinha ente dentes- onde é que você foi arranjar essa peça
rara?
- Calma
garoto- repondia Liath do mesmo jeito fingindo um sorriso- é
costureira...costureira.
- Aí
dispois que ele saiu, vi ele atravessando a rua e indo prá quele lado. Mas a
Craudiane tava na rua e disse que viu uns galego grandão chegar e falar com ele
que foi junto com os cabra, num sabe? Diz ela que eles foi tudo pro lado da
outra favela indo pela rua do canal perto do muro do galpão.
Saíram
de lá pagando mais do que o serviço realmente custava. Voltaram já na alta
madrugada, estacionaram num canto da rua perto de um matagal, entre o canal e o
muro. Se esgueiraram pelo capim alto entrando por um buraco no muro. Estevam
bem armados, Sardinha estranhou não levarem armas para longa distância, mas
Liath disse que pelo tipo de lugar não precisariam de armas de longo alcance.
Varreram o edifício todo parte por parte lentamente; garantiam a própria
segurança antes de vasculhar em busca de algo mais. Nenhum som, apenas gestos
garantiam a comunicação. A dupla funcionava mecanicamente como se treinados
para isso a vida inteira. Vasculharam os quatro andares e o estacionamento,
quando viram que estavam seguros, conectaram fones aos celulares para usarem
como rádios. Abandonaram a postura de soldado e se transformaram em detetives
novamente.
Liath
ficou com o estacionamento e os dois primeiros andares, Sardinha pegou os
andares de cima e o terraço. Realmente, havia sinais da presença constante de
traficantes no local, Liath descobriu e sabotou todo um laboratório de refino
de cocaína crack. Porém Sardinha o chamava no 4º andar.
O jovem
descobriu um sutil rastro de sangue perto das janelas entre alguns tapumes,
porém olhando com mais calma, havia uma bolsa de viagem vazia e um retalho de
pelúcia no chão, evidência de furry no local.
Liath
puxou o celular e se concentrou ao por a mão livre e desenluvada no chão
próximo. Sardinha recolheu a bolsa e o retalho ouvindo Liath dizer.
- Vamos
ver se essa traquitana do gato funciona mesmo.
E assim
acionou sua psicometria. Conseguiu ver cerca de sete pessoas, todos homens.
Alguns armados que espancavam o dono da bolsa, o rosto de Shimon apareceu mas a
informação foi breve, pois deram uma injeção na vítima e a visão se apagou. O
celular vibrava, traduzindo a magia em dados.
Quando
iam examinar o resultado, escutaram um estouro, algo silvou por entre a cabeça
dos dois e se espatifou estalando no piso. Liath empurrou Sardinha para o lado.
- Arma!
Abrigar! Abrigar!
Sardinha
se levantou correndo para uma pilastra enquanto Liath se abrigava em outra.
Então o
guerreiro dos bruxos em fim mostrou como sua gente combate. Se concentrou fechando
os olhos, respirou fundo erguendo a mão direita com a palma para baixo e a
esquerda em sentido inverso e mais perto do chão. A poeira em torno dos seus
pés se agitou e do piso começou á brotar uma névoa branca, densa e fria que
girava no sentido do relógio. Tiros estalavam enquanto a nuvem crescia tomando
todo o recinto, menos a parte onde Sardinha se abrigava fazendo fogo de
contenção.
De
repente, tudo sumiu e silenciou; Sardinha se viu sozinho no galpão que agora
mais parecia uma tumba, toda a ação cessou subitamente. Então o jovem bruxo
teve um estalo. Liath evocou o feitiço da Nuvem da Ascensão e estava combatendo
dentro dela, o inimigo, fosse quem fosse, iria pagar caro se quisesse sair
vivo; pois simplesmente estaria lutando dentro da lendária nuvem da
invisibilidade, que era mencionada no folclore do mundo inteiro. O agressor
estaria cego, mas sendo visto; seria ouvido, mas estaria surdo. Magia de gente
grande.
Sardinha
se pôs de pé e caminhou para a porta com a arma pronta para atirar ao menor
movimento, pois alguém poderia ser expulso da nuvem controlada por Liath.
Desceu as escadas mas no patamar do segundo andar sua intuição apitou com
força. Ele abriu sua terceira visão e através de parede, viu a áurea de um
homem que vinha sorrateiro pelo corredor em direção a porta das escadas. O sujeito sem saber de nada, abriu a porta e
passou furtivamente, mas então o mecanismo de uma 9 mm silenciada estalou; o homem rolou escada abaixo, abatido por um
tiro na nuca certeiro que Sardinha lhe deu por detrás da porta. Com a boca
aberta, o jovem olhava o cadáver rolar, era sua primeira morte e estava
perplexo consigo mesmo.
Segundos
depois, tratou de recobrar a consciência e retomar o combate. Mal desceu alguns
degraus e ouviu madeira se quebrando nos andares de cima. Algo grande passou
zunindo no ar pelo vão da escada para se estatelar com um estrondo de bomba no
térreo. Sardinha botou a cabeça fora da escada e olhou, junto com o que ele
matou, já se contavam dois inimigos mortos. Liath estava fazendo sua parte, o
que lhe deu segurança para ir em frente.
Chegou
no térreo e viu o corpo do segundo oponente, o sujeito era monstruosamente
grande, porém mal saiu da escada, escutou um sussurro muito próximo da sua
orelha esquerda:
-
Cuidado!
Sentiu
no calcanhar esquerdo uma pancada sutil, uma “banda” vinda do nada o derrubou
fazendo com que caísse sentado com as costas na parede, evitando no tempo exato
uma rajada de fuzil que o teria partido em dois Com reflexo do tombo, o dedo do
gatilho se contraiu e uma rajada de sua submetralhadora acertou um caixote de
madeira, fazendo com que o atirador inimigo corresse revelando sua posição.
Sardinha mirou o alvo móvel e acertou, abatendo o terceiro com a precisão de
atirador de elite que seu tutor lhe ensinara á ter.
Foi
então para a porta indo rumo ao buraco no muro. Se abaixou para rastejar e
ouviu um baque seco vindo da porta. Um homem grande feito uma pilastra foi
cuspido da nuvem, mas quando tentava se levantar, foi puxado pelo pé, soltando
um grito aterrorizado que se perdeu na escuridão vazia. Menos quatro.
Sardinha
correu o mais rápido possível para o carro, abriu o porta malas e jogou suas
armas e as provas lá dentro. Ficou apenas com a pistola para cobrir Liath caso
este viesse sob ataque. Os minutos passavam intermináveis, o silêncio reinava
no mundo, então Sardinha pulou quando escutou duas pancadas na tampa do porta
malas, Liath reaparecia da bruma, parecendo fumegar como lenha de fogueira
enquanto a nuvem dispersava em sua volta. Estava
precariamente apoiado no carro enquanto jogava as armas capturadas dos inimigos
e seu próprio arsenal para dentro do veículo. O mais novo fechou a mala e ia
dar a volta no carro quando ouviu o mais velho gemer. Liath estava com o olho
esquerdo tão inchado que parecia que este iria saltar da órbita; um corte
profundo na coxa esquerda parecia ter sido feito por lâmina longa; o braço
direito estava visivelmente fraturado. Mas o pior estava entre a coluna e o
omoplata direito; era um tiro que fazia o sangue vivo brotar ás cusparadas. O
detetive visivelmente havia levado a pior.
Sardinha
segurou a emoção e apoiou o amigo para que esse embarcasse no banco do carona.
- Fala
comigo, chefe! Não desmaia! Que houve?
-
Peguei os seis gigantes, no pânico eles estavam batendo e atirando para todos
os lados, enfrentei até espada. Eu não podia usar arma de fogo ou então me
descobririam e os outros iriam atrás de você. Mas matei todos.
-
Obrigado pela banda lá no pé da escada, se não fosse você eu estava morto.
-
Desculpe, mas não fui eu. Ouvi o mecanismo da sua arma disparando, mas nesta
hora eu estava no patamar do segundo andar. Outro alguém te salvou. Agora... me
faz um favor...?- Liath começava á resfolegar, entregando seu estado alarmante.
- Pra
qual hospital quer ir?- Sardinha saia com o carro cantando pneu.
-
Não... muitas perguntas...liga para o Castelo e avisa que a gente vai para
lá....cirurgião- e Liath desmaiou ensopando o banco do carona com seu sangue.
Autor: Estevam Silva.
Ilustrador: Marco Aramha.

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